sábado, 2 de janeiro de 2010




Vivendo em Brasília


No dia 13 de Dezembro de 1967, logo após completar 19 anos, eu terminara a prestação do serviço militar. Ainda com o cabelo raspado vim para Brasília, sozinho, para ficar de vez. Preparei a minha mudança definitiva sem revelar nada para ninguém de minha família. Agi camuflado para evitar influencias pessimistas, negativas e desencorajadoras. Alguém poderia me amedrontar ou tentar me tirar de idéia esta aventura. Apenas dois dias antes da viagem contei para minha genitora. Receava falar antes e ela começar a se lamuriar e o seu derretimento comprometer a minha disposição de concretizar a mudança.  Assim ela choramingou apenas 2 dias, mas concordou e aceitou que meu destino estava já traçado. Eu tinha um amigo, o Otoniel, que também morava em Patos e se mudou para Brasília um ano antes.  O colega do Banco, Rufino, que trabalhava em Patos já havia se transferido para Brasília e me dava as dicas. Segui os passos dele. Fiquei os primeiros 2 meses, hospedado em sua casa em Taguatinga, na Vila Matias, dormindo em um sofá de um só assento. Vinha trabalhar de ônibus. 


O Banco Mercantil de Minas Gerais era proprietario do predio de 3 andares da Agencia Brasilia situada  na Avenida W3 Sul Quadra 507.  No térreo  era a agencia do Banco. Os  dois andares abrigava  o alojamento dos funcionários do Banco. Era negocio para o Banco manter seus funcionários trabalhando ao lado da agencia. Isto contribuía para a   pontualidade dos mesmos no cumprimento dos horários de trabalho. Obvio que no salário dos funcionários, indiretamente,  estava já embutido o valor do alojamento.  Depois que surgiu uma vaga neste alojamento mudei-me para ele. A república  ainda hoje permanece no mesmo lugar, em cima do Banco. Foto da Asa Sul. Em 1o. plano, à esquerda, a quadra 507 Sul. Ao fundo da 507 sul  se vê a Escola Classe . À direita a quadra 707 Sul somente com casas .  Este era o centro principal de Brasilia nos idos de 1968. 


Mudei-me para esta república.   Morei aí desde fevereiro/98 até setembro de 1969. Era um covil de ripários. Eu dividia o quarto com dois deles. Eu era um indivíduo freqüentador das missas aos domingos, rezador, me considerava religioso, não bebia, não fumava, enfim era um estorvo na república. Era um janota engomado. Os meus colegas eram cachaceiros, arruaceiros, até armas eles possuíam.  Tolerei muito desaforo, provocação e alfinetadas destes companheiros. Os colegas não gostavam de mim porque eu usava o silencio e o isolamento como armas para não haver aproximação entre nós evitando assim qualquer comprometimento meu com as atitudes e comportamentos mesquinhos deles.


Acordava as 6.30 hs e ia trabalhar das 7 da manha até 13 hs da tarde.  O serviço tinha que render porque todo o movimento da compensação noturna  do dia anterior deveria ser lançado nas contas correntes por mim.  Deveria ser célere o suficiente para identificar quais contas estariam no vermelho depois do lançamento dos cheques.  Separava as contas que estavam negativas e as entregava aos gerentes com os respectivos cheques  da compensação responsáveis por torná-las com saldo credor.   Eles então começavam a maratona de ligar para os correntistas e convencê-los a resolver a situação efetuando o correspondente depósito. Isto deveria ser resolvido até as 12 horas, quando o Banco abria. Os gerentes não perdiam tempo com os clientes assalariados, ou desprovidos de crédito. Suas contas imediatamente me eram devolvidas e eu fazia a devolução do cheque para a compensação. Motivo cheque sem fundo.


Foto de 1968, eu e um colega, na W3 Sul na quadra 707 em frente ao Banco. Alguns clientes preferenciais depois de receber o telefonema, de imediato, estavam na agencia conversando com o gerente. Outros já sabiam que o cheque estava sem fundo, e mesmo sem receber a ligação, se dirigiam a agencia de manha, fora do horário, para saber se havia sido depositado o cheque tal. Estes eram bons clientes de contas volumosas e faziam jogo do depósito em  cheque para positivar a conta. Ou seja, depositava com cheque de um segundo Banco para cobrir o cheque do nosso Banco, com a aquiescência do gerente. Seu cheque não era devolvido. No dia seguinte estes clientes se dirigiam ao segundo Banco e lá faziam outro deposito com cheque de um terceiro Banco para cobrir aquele cheque sem fundos do segundo Banco.  Nestas três operações deveria haver o comprometimento do gerente em garantir que o saldo iria continuar positivo apesar desta corrente de cheques sem fundos.  No decorrer de meia semana a situação estava resolvida. Ou seja, o bom cliente garantia o recebimento de um credito 3 dias depois da minha compensação e assim no 3º dia o último cheque estava coberto e a corrente dos cheques garantida, sem nenhum deles ter sido devolvido.  O fato do sistema de contabilidade bancário ser manual e não automatizado como é hoje suscitava situações escabrosas como estas.  O que acontecia com o nosso Banco também acontecia com os outros Bancos.  Ser gerente naquela época era para homens de coragem. Se por acaso a corrente falhasse o cargo deles estava a disposição e com o risco de terem que cobrir o rombo  com seus próprios recursos.  


O Banco abria ao meio dia. Eu saia às 13 horas. Portanto trabalhava uma hora com o expediente aberto. Duas moças lindíssimas trabalhavam no balcão. Uma morena e uma loura de parar o trânsito. Foram escolhidas a dedo.  Para fornecer o saldo aos clientes elas pegavam comigo as suas contas corrente.  A presença delas agradava os clientes e a nós funcionários.   Aquela uma hora convivendo com elas, fazia tão bem para mim que era o suficiente para amenizar toda a penúria que me esperava na republica.  Eu as vivia cobiçando, mas nunca tive chances. Baixo, desatipado, um ordinário escriturário, pobre. Não era supervisor, contador, gerente, não tinha cargo nenhum.  Não tinha carro, nem moto, andava a pé e de ônibus.  Enfim para elas eu era um miserável. Não era páreo para elas. Apesar de saber e reconhecer todas estas minhas deficiência eu me atrevia a gostar delas assim mesmo.  Não importava se me desprezavam. Apreciar as belas não paga multa e nem dá cadeia.


Depois do trabalho ia almoçar na república e começava estudar, no meu quarto, às 14 horas. A república estava vazia porque todos estavam trabalhando durante o expediente. Estudava até as 7 da noite sem parar, quando então, depois de jantar, ia para o cursinho a pé da 507sul até a 511 sul.  Eu estudei bastante, e sempre estava entre os 5 primeiros colocados, nos testes simulados do vestibular. Estava bem preparado. Na foto estou em frente ao Cursinho.


Foi um ano muito difícil. Nunca passei tanto calor e agüentei tanto barulho. Além do barulho noturno do carregado trânsito da W3 sul, havia o barulho da própria república. Foi como passar uma eternidade no inferno purgando todos os meus pecados. Mas a minha determinação era mais forte que as privações.  Preparei-me para ser santificado morando neste lugar. Mas não tinha outra opção porque era de graça nossa moradia, não pagávamos nada para o Banco, ficava colada ao emprego e era perto do cursinho. Era um ponto estratégico para mim que não possuía meios de locomoção a não ser os pés e os ônibus.  







Em 1968 o meu amigo Joaquim também morava aqui em Brasília, estudava na UnB e trabalhava na Aliança Francesa, na 708 Sul. De vez em quando eu o visitava lá. A cidade ainda estava engatinhando. A foto mostra o inicio da Asa Sul. Vê-se a direita, ao fundo, a sede do Banco do Brasil, mais a frente o Hotel Nacional. No centro está a rodoviaria sem nenhuma construção a seu lado. 









Foto - Vista do inicio da asa norte e ao fundo os ministérios. Entre a rodoviária e a Torre de TV havia apenas uma edificação. Não existia nenhum Hotel situado no Setor Hoteleiro Norte. Não havia nada atrás do Teatro Nacional.  Zona Central Norte vista da Torre de TV, por volta de 1968-1969. A rodoviaria e vista e não havia ainda o  Conjunto Nacional. No inicio do Eixão norte se vê um prédio. Lá se situava um dos dois  cinemas de Brasilia. Sempre eu ia ver filmes neste cinema nos finais de semana.  


Durante o ano de 1968, apesar de trabalhar toda manhã e a despeito das privações advindas do alojamento, meu  esforço foi recompensado. Em janeiro de 1969, passei no 2o lugar do vestibular  para Economia na  Universidade de Brasilia ( UnB).  A Universidade de Brasilia é uma instituição federal.  


Na Universidade


A UnB de 1969 consistia do prédio incompleto do  Minhocão - ICC ( Instituto Central de Ciências),  dos prédios provisórios  da Faculdade de Engenharia Mecânica, da Faculdade de Engenharia  Eletrica e Psicologia,  da Faculdade de Educação e Comunicação, da reitoria, o restaurante universitário provisório, dois  alojamentos para estudantes sendo um deles denominado "as casinhas".  As fotos abaixo mostram o prédio do Minhocão da época e de hoje.  




























Para estudar na Universidade tive que mudar o meu horário de trabalho no Banco. As aulas eram no período da manhã. Passei a trabalhar na compensação á noite. Durante 6 meses, trabalhei no Banco e ainda morei na república. O deslocamento, de ônibus, de ida e volta da UnB até o Banco na Asa Sul, era demorado e consumia muito tempo do meu dia. No inicio da noite, no Banco na 507 sul eu preparava os cheques depositados no dia, os classificava, catalogava, por bancos e valores e os levava para a Câmara de Compensação situada na agencia central do Banco do Brasil no SBS.  Todo este esforço estava me incomodando e resolvi então que deveria deixar o Banco. Associada a esta decisão estava outra em andamento referente ao curso de Economia que eu estava cursando.  As materias do currículo,  Princípios de Sociologia, Filosofia, Historia contemporanea e antiga, etc não me agradavam muito.  As matérias da grade curricular deste curso como um todo não me entusiasmavam. A foto mostra a rodoviária em 1969. Passava por ela todos os dias quando ia para a UnB. 





No final de abril de 1969, resolvi procurar ajuda tanto no Serviço Social, quanto no Departamento de Psicologia.  No Serviço Social me cadastrei para pegar bolsa universitária de manutenção. Na Psicologia me aconselharam fazer um teste vocacional. Uma psicóloga, de idade, me deu muita atenção, e me aplicou todos os testes recomendados. Entre diversos cursos que me indicaram não estava Economia. Um dos cursos compatíveis com meu perfil  foi Engenharia Eletrônica. Então resolvi me mudar para este curso, o que seria uma mudança deveras radical. Eu já havia feita 4 matérias do curso de Economia. Para mudar de curso na época os requisitos eram: ter indicação do Departamento de Psicologia através dos resultados dos testes, e MGA acima de 4, ou seja, ter notas acima de 8 em todas as matérias. Eu preenchi estes requisitos e me mudei de curso, no segundo semestre de 1969. No Serviço Social consegui a bolsa de manutenção. Pedi demissão do Banco, e ela foi concedida em setembro de 1969.  o Banco me pagou a indenização e a depositei na CEF.  


Fiz dois semestre de Engenharia, e no 2º ano de engenharia eu já era monitor de Cálculo e ganhava uma remuneração mensal equivalente hoje a R$ 220,00.  A bolsa de manutenção foi suspensa. Este dinheiro era suficiente para alimentação, lavagem de roupas e compras de material de limpeza pessoal.  No primeiro ano da UnB vivi com a bolsa estudos, depois com as monitorias, no penultimo semestre trabalhando na biblioteca,  e no último semestre com o dinheiro do estágio remunerado da COTELB - Telefônica de Brasilia.  


Quando fiz o vestibular fiquei amigo do Luiz e reencontrei o Ademar, meu ex colega do curso primário da Escola Normal. De imediato nós alugamos um quarto em um apartamento na SQN 403 Bloco C, eu, Ademar, Luís e Joaquim, todos de Patos. 


O apartamento tinha 2 quartos sociais e 1 de empregada. Além de nós quatro, mais 2  familias moravam no apartamento. O Manuel mulher e filho, morava no quarto do fundo com o WC de empregada. O proprietário da casa com mulher e duas filhas morava  no outro quarto e dividia o banheiro social conosco. Não satisfeitos, os proprietários, resolveram então alugar o quarto deles para dois professores também estudantes da universidade. O proprietário e familia  passou a morar na sala de estar, cozinha e área de serviço. Ao todo éramos 13 pessoas morando sob um mesmo teto de aproximadamente 84 m2.  Fiquei 6 meses estudando economia e trabalhando no Banco.  Morei com os  amigos de Patos, durante cerca de 2 anos. O Ademar fazia medicina. O Luís fazia Economia, o Joaquim Letras e eu Engenharia Eletrônica. Isso era muito bom para nós, porque nossos assuntos eram sempre diferentes. Se fizéssemos o mesmo curso iríamos aprender pouco da vida, um com o outro. Assim aprendi um pouco sobre cada área de estudo, economia, medicina e letras. Acredito que o mesmo ocorreu com eles. 


Neste apartamento existia um banheiro social e um de empregada. Imagina 13 pessoas disputando estes dois banheiros. Eu até gostaria que fosse distribuída senha para freqüentar o banheiro. Se tornaria mais democrático o seu uso. Eu não assistia TV, por não dispor de tempo e nem de aparelho para assistir. O Joaquim e Luiz trabalhavam na Aliança Francesa, e estudavam de manhã na UnB . Eu era o mais duro de todos. Vivia numa quebradeira danada, com a bolsa manutenção e mais tarde, com as monitorias. As vezes eu dividia a bandeja de comida com o Joaquim para economizar uns trocados. 












Aos domingos íamos nadar na Água Mineral. Naquela época a população do DF era muito menor do que hoje. Havia espaço suficiente para nadar e curtir a natureza. Lá,uma vez consegui azarar uma moça e nos encontramos algumas vezes. O Joaquim também arranjou uma namorada, a Ofélia, muito simpatica.  















O restaurante da torre de TV também era um ótimo local para passsear e dançar ás noites. Também lá , em noites de sorte, eu dançava e algumas vezes conseguia  arrumar uns namoricos. Lá, Luis iniciou seu namorou que resultou em seu casamento.   Na foto se vê a Brasilia da época com poucas construções. 











 No Cine Brasilia  situado na entrequadra 106/107 Sul, nos finais de semana eu assistia os filmes da época.   O cinema sempre foi minha fonte principal de lazer e como eu morava ao lado deste cinema, em 1968, aproveita a única  oportunidade de entretenimento. Freqüentemente os 1,2 mil lugares estavam ocupados .


Estive presente na inauguração do Cine Karim na 110 Sul. O filme Kramer versus Kramer eu assisti neste cinema. 





O Brasília Palace Hotel  fundado em 1957, foi um cartão postal da cidade por muitos anos.  Lá nós iámos, eu, Joaquim, Ademar e Luis,  dançar nos finais de semana, onde encontrávamos diversão de uma noite. Era muito divertido  e  algumas  vezes   eu  tinha   sorte   de   fisgar   alguma moça para dançar e trocar uns amassos.  Este hotel ficou por décadas abandonado. Dele restou somente  o esqueleto de concreto.   As duas fotos representam  o hotel  da época e o de hoje   

revitalizado onde revive todo glamour da época em que era o único  o hotel da capital. Seu requintado e histórico  salão de festas é um sucesso. Possibilita a realização de eventos variados, de pequenos jantares a grandes festas para mais de mil pessoas, com opção de montagem na área da piscina e nos jardins, com vista para o Lago Paranoá. O local tornou-se, novamente, referência elegante de Brasília, com grandes eventos realizados, além de aniversários e casamentos.







O Gustavo veio para Brasília estudar e tornou-se meu amigo a partir de então.  Um amigo nosso, falecido na época, Geraldo Magela, levava consigo, uma garrafa, para carregar leite do restaurante da UNB para tomar mais tarde. Aos domingos almoçávamos no restaurante, mas não tinha janta. Assim nós carregávamos alguns pedaços de carne dentro de copos de plástico para comermos a noite junto com pão fresco que comprávamos na padaria. A gente os esquentava com o fogo que era ateado ao álcool que colocávamos em uma taça de aço inox, roubada do restaurante. Usávamos o mesmo processo para assar queijo de minas e comer com pão. Joaquim e Ademar, filhos de fazendeiros, sempre mantiam um estoque de queijos mineiros dentro do quarto. O cheiro era uma maravilha. Assim nós éramos abastecidos durante todo o semestre. Uma vez o Luiz resolveu comprar um fusca. Conseguiu comigo dinheiro emprestado para dar a entrada. Eu emprestei e ele comprou um fusca verde. Nas férias, eu e Luís fazíamos o curso de verão. Não tinha restaurante aberto. Assim pegávamos marmita. O delivery das marmitas era feito por mim. Na divisão dos custos Luiz pagava mais e eu pagava menos. Era descontado da minha parte do preço da marmita o delivery




Nos outros 2 anos e meio morei na Universidade. De início morei nas casinhas. Elas ficavam onde é hoje a Faculdade de Tecnologia. Consegui uma vaga de um estudante de medicina que não tinha mais direito a moradia. Fui morar lá, junto com um colega de engenharia o Denis, o menor da turma.  O ex morador, da vaga, era um crápula, que ainda continuava morando lá, mas para o Serviço Social da Universidade, ele não morava mais. E nós tínhamos que ficar de bico fechado, e não o dedurar. Quem o devia entregar eram os antigos moradores. Nesta casinha moravam quatro estudantes. Comigo passou a ser 5. Havia um trato entre eles de deixar este bosta continuar morando lá sem denunciá-lo. E eu estava ocupando uma vaga que de fato não existia. E tinha que ficar calado, porque se não corria o risco de perder esta vaga. 






Em 25 de março de 1971 é inaugurado o Centro Olímpico - CO,  visto na foto ao lado.  O sofrimento das casinhas, não durou muito porque fomos transferidos para os alojamentos do CO. Lá fiquei morando com outros 5 companheiros, entre eles , o ex-colega de Banco Hugo, um grande amigo meu. 
Não tive carro até o dia em que me formei, arranjei emprego e comecei a trabalhar. Não tinha condições de comprar um e assim resolvi adiar a satisfação desta vontade, abrindo mão das vantagens que poderia desfrutar possuindo um. Entre os inumeros beneficios que um caro pode propiciar, está a facilidade de arranjar namorada e levá-las para sair. Era muito difícil e até cômico levar uma namorada ao cinema de baú. Não combinava  e não havia namorada que topasse tal sandice.


Procurei sempre ser decidido e determinado na minha vida. Tinha resolvido e decidido que iria me formar, mesmo tendo uma porção de obstáculos e privações a serem vencidos. Usando todos os esforços necessários, e no menor tempo possível, abrindo mão de passeios, carros, namoradas e distrações, consegui com muita tenacidade, vencer e formar em apenas 4 anos, num curso de 5 anos.


Uma razão era muito óbvia, não tinha grana para gastar com namoradas. Outra razão era, não dispor de tempo para divertir. Eu vivi muito feliz dentro da universidade. Apesar de todo o sofrimento já descrito eu era muito feliz. Nunca tive inveja dos meus colegas ricos que tinham todo o conforto, carro, dinheiro no bolso, e muita namorada a disposição. Não invejava os colegas que trabalhavam fora e tinha dinheiro no bolso. Estes levavam mais anos para formar, picareteavam no curso e no meu modo de pensar da época iriam perder tempo de sua vida, tendo uma vida profissional remediada fora e outra vida estudantil medíocre dento da universidade. O curso de Engenharia era durante o dia inteiro. Nos demais cursos que tinham aulas apenas num período, manhã ou tarde, era possível estudar e trabalhar. 


Eu tinha uma missão a cumprir e havia descoberto que as namoradas só gostavam dos estudantes que se locomoviam de quatro rodas. Era muito difícil mesmo porque elas escolhiam quem  tinha grana, para lhes pagar pelo menos os ingressos do cinema, de uma boate, de um baile, bebidas de vez em quando.


Outra consideração que eu sempre fazia, era a de que se eu me envolvesse de novo emotivamente em um novo namoro poderia me trazer confusão como ocorreu com a Lídia uma de minhas namoradas que faleceu. Assim eu fiquei vacinado desde o inicio de meus estudos. Foi uma lição para mim o que ocorreu com ela. 







Eu tinha aulas o dia inteiro e a noite ia para a biblioteca estudar e fazer os deveres. Na foto da direita para a esquerda, Teodorico, Vasco, eu, Pedro e Fernando, no campus onde é hoje o Banco Real. O Rissato, o Valdir, eu, o Fernando,  e  dois outros colegas de sala formávamos uma equipe de estudos para fazer exercícios e estudar juntos.  Na hora de estudar os grupos pré-formados se reuniam e faziam os exercícios.   






Minha saúde não colaborava muito comigo e estava a me trair com freqüência . Vez ou outra  eu estava com dor de garganta e gripado. Era um problema sério a minha alergia respiratória. Para me tratar não tinha seguro de saúde.  Como estava na universidade ainda era dependente de meu pai e tinha o direito de usar a assistência médica do antigo IPASE. Usei também o hospital de base. Vivia me consultando com médicos otorrino. No primeiro semestre de 1973 tirei a carteira de motorista, com 24 anos.


A turma de janeiro de 1969  regularmente formaria 5 anos após em dezembro de 1973. Treze alunos desta turma formaram em julho de 1969, em quatro anos e meio,  junto comigo. Os demais formaram depois. Desta turma o único a fazer o curso em apenas 4 anos fui eu porque comecei em julho de 1969. Devido ao meu esforço, dedicação e aproveitamento das ferias para fazer materias,  consegui reduzir em um ano o curso que é normalmente de 5 anos de duração. A despeito de tudo o que passei, dificuldades e privações, me formei com 24 anos e arranjei emprego no mesmo mês de minha formatura.



Depois que me formei, para pegar o diploma, fui obrigado a assinar algumas notas  promissórias assumindo a dívida da bolsa para pagar mais tarde quando tivesse dinheiro. Nunca fui atrás da UnB para pagar esta divida. Cinco anos depois a UnB me enviou uma carta me cobrando a divida. Paguei tudo, sem juros e nem correção. Naquela época não existia correção  monetária. Foto no dia da colação de grau em 25 de julho de 1973. 


Namoradas


No 2o. ano de UnB, nas férias de julho de 1970, eu estava passeando  em Patos na casa de meus pais na Rua Tiradentes. A Lídia, uma menina de 16 anos morava na casa contígua á nossa, era a vizinha de porta.  Era amiga de minhas irmãs. Era um anjo em forma de menina. Loura da pela alvíssima e delicada, muito simpática, meiga, sensual,  inteligente, alegre e aplicadíssima na escola. Com freqüência ela estava em nossa casa visitando minha irmã. Conversava com ela e de vez em quando trocávamos uns olhares de flertes.


Nas férias anteriores isto já vinha ocorrendo. Mas desta vez estes comportamentos se intensificaram.  Passei a gostar dela não como amiga. O sentimento foi crescendo e um dia criei coragem e lhe propus namoro. Eu tinha 21 anos e ela era 5 anos mais nova.  Ela aceitou,  e disse que ia perguntar sua mãe se poderia namorar comigo. Sua mãe não só consentiu como incentivou o namoro. A mãe dela me admirava por ser estudioso, estar cursando engenharia, e ser vizinho da família.   A mãe dela recomendou-nos muita cautela e seriedade no namoro. Avisou que não iria revelar isto para seu marido, porque ele poderia desaprovar logo no inicio. Então começamos o namoro. Ela demonstrava estar gostando de mim, porque deixava isto bastante óbvio em seu comportamento, porém era ainda muito nova para ter certeza dos seus sentimentos. Eu estava de fato gostando dela. Namoramos presencialmente durante o mês de julho. No inicio de agosto voltei para a Universidade em Brasília.  Trocamos correspondência durante o mês de agosto.


Encontramo-nos novamente em 5 setembro de 1970, sábado, no feriado da Independência  quando ela veio a Brasília passear e se hospedou  no apartamento  de sua tia na 403 norte. Minha irmã  também veio encontrar-se com seu namorado. Passeamos, abraçados, de mãos dadas, aproveitamos muito os instantes juntos. No dia 7, segunda, ela regressou  para Patos.  Trocamos cartas em setembro e outubro. No feriado de novembro viajei novamente para Patos e durante 3 dias nós namoramos, fomos ao cinema e ficamos mais próximos ainda.  No inicio de dezembro /70, nas férias, eu viajei para Patos.  Tão logo cheguei tive conhecimento de uma triste e espantosa história. A mãe da Lídia entendeu que já era hora de revelar para seu marido e família a existência de nosso namoro. O pai, três tias irmãs do pai, a avó  mãe do pai, moravam todos na mesma casa.   Nenhum deles aprovou o namoro incluindo o irmão mais velho o qual se opôs veementemente. Creio que ele não tinha nenhuma afeição por mim e sim ódio.  A mãe, nossa única aliada, foi descartada do processo de decisão. Eles pressionaram a Lidia para não continuar com o namoro. 


A Lidia então surtou. Numa noite, no final de novembro, fugiu de casa, correndo pela rua, despida, vestida apenas de calcinha. Foi um golpe violento para seus pais e toda a família. Imediatamente levaram-na a um medico psiquiatra, Dr. Valdomiro, e este a sedou com remédios, deixando-a internada no Hospital Nossa Senhora de Fátima. A mãe me revelou que a Lídia  lhes contou que estava esperando um filho meu. Aí resolveram  fazer um exame para verificação de sua virgindade. Fizeram uma junta médica e descobriram que ela continuava virgem.  Afirmaram ter sido eu o responsável por aquela desventura.  A sua família estava me acusando de tê-la violentado, com exceção de sua mãe que me apoiava. Fiquei atônito e assombrado quando soube desta historia.   Sua mãe que, era minha única aliada, e estava até então concordando com o namoro, ficou em duvida se permitia a sua continuação ou não. A procurei e lhe expus tudo o que havia ocorrido entre nós desde julho até novembro. Nossa relação não passara de um inocente namoro sem nenhum avanço a não ser alguns abraços e uns pares de beijos.   Não consegui convencer a mãe. Ela permaneceu com a dúvida se de fato a relação sexual havia se consumado mesmo sem chegar aos finalmente. No meu entendimento acreditei que a Lidia, na sua inocência pura, ao perceber a reação negativa de toda a família, para evitar que interrompessem o namoro, inventou esta história com a intenção de consolidar o namoro  sem haver retorno.  Mas infelizmente, para a sua  infelicidade,   o tiro havia saído pela culatra e o estrago foi ainda pior.


Pedi a sua mãe para que me deixasse visitá-la no hospital. Ela consultou o pai, o medico e a família e por fim consentiu e eu então consegui ir encontrá-la no hospital acompanhado da mãe dela e das tias. Creio que aproveitariam esta visita  para fazer uma acareação entre eu e a Lidia  para apurar a verdade dos fatos. Durante a visita a mãe e a tia estavam presentes no quarto. Lidia estava deitada no leito, muda sem pronunciar uma palavra sequer, com o olhar apontado para o infinito, sem fixar em nada, e sem responder as minhas falas e nem expressar qualquer reação.  Depois desta visita estive com ela no hospital mais duas vezes e seu estado continuava o mesmo. 


Permaneci em Patos depois de sua alta do hospital. Conversei com sua mãe e lhe expus meu intento de induzi-la a conversar e expressar alguma reação.  Depois de uma reunião o conselho de família acabou permitindo nossos encontros assistidos por alguém da família. Á noite eu ia até sua casa para encontrá-la. Eu ficava sentado num sofá ao lado dela, e sua tia responsável pela supervisão, sentava no outro sofá, alumiando o nosso namoro. Eu falava com a Lídia e ela não respondia e nem pronunciava uma palavra sequer. Apenas mudava as feições do rosto em reposta ao meu monólogo.  Isto durou cerca de 10 dias. Ela não conversava e nem balbuciava nenhum ruído. A reação dela não correspondeu aos anseios meus e da sua família.


Concluíram então que eu não estava contribuindo em nada para a sua recuperação. Eu mesmo havia me conscientizado de que deveria sair de perto dela e de todos. Eu devia desaparecer do circuito. Limpar a área. Dar-lhe uma oportunidade de mostrar alguma reação. Eu resolvi ir passear na fazenda de meu tio no município de Betim. Voltei novamente para Patos dez dias depois. Quando a Lídia me viu, ficou tão contente, que voltou a falar. Então voltaram a permitir nossos encontros, porque no período que fiquei fora, ela tivera uma recaída e quando voltei, ela se recuperou e voltou a falar. Analisaram a situação e mais uma vez permitiram, que eu servisse como um remédio para sua melhora. Eu também estava achando o máximo e me sentido muito orgulhoso de ter esta finalidade e poder ajudá-la.  Gostava muito dela e não concordava que estivesse sofrendo daquela maneira.


Ficamos então namorando até o final destas férias. Terminada as férias, em fevereiro, voltei para Brasília e continuamos o romance através de cartas. Ela me enviava lindas cartas de amor, e eu retribuía, com a mesma moeda. As minhas e as suas cartas eram censuradas pela sua tia encarregada de fazer a triagem das que podiam ser ou não lidas. 


Mas esta nossa euforia não foi muito longe. A Lídia  voltou novamente a piorar e parou de falar novamente. Em fevereiro no feriado de carnaval de 1971 , fui visitá-la , e ela de fato não queria falar. Voltei novamente para Brasília, triste e esperançoso de sua melhora.Ela estava atravessando um estado de angustia, tristeza, apatia, muito acentuados. Na época os médicos não sabiam como curá-la. Se houvesse ocorrido hoje, seria flagrante que ela atravessa uma depressão profunda. Com os modernos medicamentos antidepressivos haveria maneira de curá-la sem internação. 


Não melhorando seu quadro seus pais então resolveram enviá-la a Ribeirão Preto, para fazer um tratamento no manicômio daquela cidade. Sua tia e primas moravam lá e ficava assim mais apropriado o tratamento, por ela ter contato com parentes de sua família. Ela me escrevia cartas do manicômio, dizendo que no seu tratamento estavam incluídos choques elétricos, remédios fortes, e que estava sofrendo muito, e tão logo ficasse boa ia se casar comigo. Seriamos felizes para sempre dizia ela.  Eu respondia tentando encorajá-la, dar-lhe forças para aturar o sofrimento e superar as adversidades. Eu não tinha na época condições de poder ajudá-la porque também não tinha conhecimentos suficientes para encontrar outro tratamento substituto ao que ela estava sendo submetida.  


Depois do tratamento, ela voltou novamente para Patos e uma vez mais, nas férias de julho de 1971, eu estive com ela. Ela havia engordado, estava eufórica, falava sem parar, agia de maneira descontrolada.  Era a demonstração da depressão aguda. Antes ela era dominada pela tristeza, apatia e angustia.  Agora a  euforia tomava o controle de sua vida.


Continuamos o namoro com o consentimento de sua família. Havia ainda a esperança de sua cura total. Mas ela estava demonstrando sinais de descontrole emocional e da razão. Algumas vezes, eu a deixava em sua casa depois do namoro, e me dirigia para minha casa que ficava bastante distante da dela. Mal acabava de chegar em casa e ela aparecia para me ver. Este comportamento desequilibrado estava me incomodando.  Passei a me perguntar se realmente eu deveria continuar com aquele namoro. Era muito difícil dizer a ela que não poderíamos mais namorar. Não tinha condições de mensurar e prever  quais seriam as conseqüências que poderiam advir continuando ou acabando com nossa relação. Não se podia antever a sua reação no futuro. Era uma decisão difícil.


Eu continuava a dar a assistência adequada a ela, gostava dela e mantive o namoro. Voltei para Brasília. Reduzi as minhas viagens para Patos. Ela piorara de vez. De fevereiro de 72 a abril de 72, ela novamente foi internada em um manicômio de Uberaba. Ao invés de melhorar seu estado de saúde ficou  ainda pior. Piorou muito e entrou em coma. Fui visitá-la na semana santa de 1972. Ela não mais estava no hospital e sim em sua casa. Era medicada por uma enfermeira que lhe assistia. A encontrei deitada em uma cama, inerte,  ligada a um suporte de medicamentos. Era alimentada via sonda. Fiquei muito chocado com aquela situação. No manicômio de Uberaba transformaram-na num trapo humano. Voltei para Brasília decidido a não mais voltar a Patos, para vê-la. Tive notícias de que a levaram para um hospital de São Paulo de onde conseguiram tirá-la do coma. Voltou de São Paulo, caminhando, volumosa e mais atormentada.  Foi muito triste e doloroso eu ter decidido não mais procurá-la. Reunindo coragem,  razão e redução de sentimentos consegui  deliberar e mantive a decisão para sempre.  Agindo assim estaria evitando incrementar ainda mais o seu sofrimento. Sua mãe queria que eu voltasse a Patos e continuasse o namoro. Eu havia decidido não alimentar esperanças que não se tornariam realidade. A Lídia não tinha mais condições de assumir nenhuma responsabilidade civil. Isto tudo ocorreu no período de dois  anos.


Nosso namoro efetivo presencial durou não mais que 6 meses. Através de cartas nos comunicamos durante outros 6 meses.  Sua mãe me enviou uma carta agressiva me culpando pelo que ocorreu e me considerando um inerme por tê-la abandonado. Eu não respondi ás cartas e cortei o contato com as suas irmãs que estudavam na UnB. Minha família se mudou daquela casa para bem longe deles enfraquecendo assim a contenda criada entre eles. Com o passar dos anos foram se esquecendo de mim. A Lídia ainda sofria intensamente com a sua doença e fazia seus pais sofrerem.  Casei em Janeiro de 1975. Em setembro de 1975 fui a Patos ao sepultamento de meu pai, e nesta data Lidia estava ainda doente e não a encontrei. Em 16 de fevereiro de 1976 a Lidia faleceu com 22 anos. Dois meses depois, em 18 de abril 1976 seu pai  faleceu.